"Portugal tem condições para ser porto de entrada de gás para a Europa"
Público
Lurdes Ferreira
A custo, ucranianos e russos parecem ter chegado a acordo para o gás natural voltar a correr nos gasodutos europeus, mas o problema está longe de resolvido e longe de ser europeu. "Temos um problema mundial de energia e não é para deixar de dormir. É para tomarmos acções, para nos libertarmos do impacto das crises do problema", aconselha Eduardo Oliveira Fernandes, "pai" da linha política do plano energético do actual Governo e defensor de soluções sustentáveis apoiadas nas energias renováveis.
Garante que nos próximos anos não há alternativa ao gás natural, por muito que se condene a crescente dependência europeia e a aparente contradição face aos objectivos de desenvolvimento das energias renováveis na União Europeia. Se há ciclo lento de mudança é na energia e as previsões indicam que o petróleo continuará a dominar por mais umas décadas. "Daqui a 20 anos, estaremos a consumir mais 20 a 30 por cento de petróleo do que hoje - está para durar - e sabemos que o gás natural vai aguentar mais uns 50 anos", afirma este académico. Contudo, reconhece que para a opinião pública, "custa a entender" essa previsão, perante tantas iniciativas em defesa das energias limpas.
A importância do gás natural não cresceu apenas devido às imensas reservas em países como a Rússia e o Irão, mas sobretudo porque é o menos poluente dos combustíveis fósseis e com elevado poder calorífico. "É o herdeiro das energias fósseis e, neste momento, o grande companheiro das energias renováveis para assegurar a transição de paradigma".
Não há, aparentemente, volta (realista) a dar em relação ao gás natural. A dependência das economias vai aumentar para alimentar as muitas centrais de ciclo combinado que se planearam, sobretudo na Europa, mesmo que uma parte nunca arranque. Perante a evidência de que o gás natural será o combustível de substituição por excelência do petróleo, precisam-se de "boas estratégias". Em vez de contas rigorosas sobre cenários que não se controlam, o que desfaz qualquer estudo bem intencionado - como mostraram os últimos meses - "deve-se ter uma posição estratégica sobre o assunto e de valores não perecíveis". Os preços caíram, quando todas as previsões apontavam para a pressão altista, e com isso os grandes investimentos estão hoje em causa: "Não sabemos o valor deles daqui a dez anos".
Nestas crises que se sucedem na Europa de leste e central quando chega o rigor do Inverno, Portugal tem sido sobretudo espectador. A beneficiar das "decisões louváveis", do final dos anos 80 e início de 90, de construção do gasoduto para a Argélia e do terminal em Sines, por serem "investimentos absolutamente essenciais para o próximo meio século", o país - diz Oliveira Fernandes - tem, mesmo assim, "andado a dormir na forma". Refere-se ao seu potencial estratégico internacional, por "ter condições para ser porto de entrada de gás para a Europa", dando mais estabilidade e melhor acesso aos recursos, e à necessidade de um uso mais eficiente desta matéria-prima. Dá mais importância a estes pontos do que ao sobe e desce dos preços. Este é apenas "um fenómeno de vibração".
A aposta no uso eficiente de gás passa pelos lares mas também pelas empresas. Nestas, o problema que também é a solução chama-se co-geração, a tecnologia de grande eficiência que converte o gás em electricidade e calor ao mesmo tempo. Contudo, a co-geração tem sido sobretudo incentivada através de subsídio às tarifas eléctricas, sendo a produção de calor "subalternizada".
Cruzar gás com solar
"A co-geração não pode ter como objectivo produzir electricidade e o 'resto' ser aproveitamento de calor. O calor tem de ter preço, é a mais-valia desta operação e o que faz aumentar o seu rendimento", defende este especialista. Ou seja, as empresas não podem procurar a co-geração apenas por causa da electricidade, têm de consumir efectivamente calor ou frio, caso contrário a eficiência não passa de teoria.
Quanto ao consumo doméstico, Oliveira Fernandes tem na cidade do Porto, a cuja agência de energia preside, uma boa explicação para o que foi um mau exemplo. "Foi durante muitos anos instrumentalizada para utilizar apenas electricidade e agora tem necessariamente resistências à mudança para gás natural". Essa substituição constitui um dos grandes objectivos da agência pelo impacto que tem na redução de emissões de carbono do país, sabendo-se que as cidades são as maiores produtoras de CO2.
Por exemplo, aquecer uma chávena de chá com gás produz metade do dióxido de carbono do aquecimento a electricidade. Como? Fazendo contas às emissões das centrais a carvão do sistema eléctrico, às suas taxas efectivas de rendimento (60 por cento no ciclo combinado) bem como às perdas no transporte (10 por cento). O carvão "chega" aos lares com rendimentos que podem chegar a 30 por cento, garante este especialista.
Oliveira Fernandes defende que na racionalização de recursos e incentivos, o Estado devia apostar em dar condições às distribuidoras de gás natural e aos consumidores para uma maior generalização do gás natural nas cozinhas e para aquecimento de água, em projectos eventualmente associados com água aquecida por painéis solares térmicos -a tendência do futuro. "Isso sim, permite reduzir significativamente as emissões", comenta. Seriam recursos mais bem empregues, na sua opinião, do que em auditorias energéticas aos edifícios do Estado. "Vai-se gastar dinheiro e a eficácia vai ser baixa".
É essa racionalidade que defende existir no sistema de co-geração que alimenta a Parque Expo desde há uma década e do qual foi o autor. "Antecipámos na altura que um cidadão na Expo consumiria metade da energia do que um cidadão das chamadas avenidas novas e com emissões mais de 50 por cento inferiores".
As soluções que cruzam gás natural e energia solar tendem a crescer no futuro. "Setenta por cento de sol e trinta por cento de gás é a melhor combinação", sustenta, para um decréscimo real de pressão na rede e de emissões de carbono. Um quarto da factura energética das famílias é em água quente nos banhos e na cozinha.
É por isso que defende que uma nova política para o consumo de gás natural em Portugal deve passar também por uma nova regulação, que premeie soluções inteligentes no uso combinado de gás natural e energia solar.
Aí sim, as emissões baixarão e não será graças ao mercado de licenças de emissões de CO2, que se dinamizou com o baixo preço da tonelada de carbono e a disponibilidade em pagar (para poluir), "e não por existir um programa bem sucedido de eficiência".
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